terça-feira, 20 de outubro de 2009

Camille Claudel - Arte, paixão e loucura




Desde que vi o filme e depois as suas obras, tive vontade de escrever sobre ela. Sua história é surpreendente, vendo suas obras fiquei pensando como ela pode ter sido negligenciada durante quase um século. Ela conseguia esculpir a ternura e a melancolia feminina. Embora possam dar uma interpretação autobiográfica a algumas de suas obras, como "A Idade Madura", onde se vê uma mulher velha arrancando um homem de uma jovem ajoelhada que estende os braços como se estivesse implorando, pode-se também apreciar nelas o movimento, a forte expressão de cada gesto e de cada rosto e as curvas e os detalhes dos músculos que perturbam a razão, lembrando a "art nouveau" da Belle Epoque, período no qual ela viveu durante o exercício de sua arte.



A Valsa

A Idade Madura

Nascida em 1864, é mais conhecida por sua vida atribulada que por seu trabalho. Para o desespero da mãe e orgulho do pai, Camille descobriu cedo o gosto pela escultura. Começou moldando argila, quase como uma brincadeira. Eram figuras inspiradas em Napoleão, Davi e Golias, além de membros da família. Na adolescência, um de seus professores foi o escultor Alfred Boucher. Foi ele que sugeriu ao pai de Camille, Luis-Prosper Claudel, que levasse a menina a Paris, onde ela poderia participar de grandes salões de arte e conhecer a nata intelectual e artística da época. Mas em Paris as dificuldades eram enormes para uma jovem artista. A escultura, além de ser uma atividade prioritariamente masculina, exigia materiais caríssimos como o mármore e o bronze. E mais: era preciso pagar um espaço relativamente amplo – os aluguéis em Paris, já naquela época estavam entre os mais caros do mundo – e o salário do trabalho de fundidores, Camille alugou um ateliê com mais três jovens artistas, Elas dividiam tambem os pagamentos para o professor Alfred Boucher, que as orientava de vez em quando. Foi numa dessas visitas que Boucher apresentou o trabalho de Camille para Paul Dubois, diretor da Escola Nacional de Belas-Artes. Dubois notou a semelhança da obra da jovem com a de outro artista, que começava a despontar para a fama. “A senhorita já teve aulas com Auguste Rodin?” Camille nunca tinha ouvido falar no sujeito.
Aos 19 anos, conhece Auguste Rodin, 24 anos mais velho que ela, escultor já consagrado, que se torna seu mestre e amante. A partir daí, seus destinos estariam para sempre entrelaçados
“Na época, Rodin ainda não era famoso, mas já iniciara a experimentação conceitual e estilística que viria a caracterizar sua forma inusual de esculpir. Por isso, era odiado pelos críticos e amado pela vanguarda de Paris, ou seja, os impressionistas”, diz Jacques Vilain, historiador do Museu Rodin. Se Camille ficou curiosa para conhecer o tal que esculpia igual a ela, esse sentimento durou pouco. “Apenas algumas semanas depois, Boucher viajou à Itália e pediu para um amigo assumir suas aulas particulares. Assim, numa tarde de maio de 1883, Rodin batia às portas das jovens escultoras”, diz Vilain.
Rodin teria entrado cheio de si no ateliê e não fez um só elogio sobre as obras expostas. Muito pelo contrário: apontou defeitos.
Mas ele gostou do que viu. Tanto que passou a freqüentar o local e, depois de dois anos, chamou Camille para trabalhar com ele. O convite coincidiu com um momento particularmente importante na carreira de Rodin. “Ele acabara de receber uma encomenda do governo francês para fazer As Portas do Inferno e Os Burgueses de Calais, obras de grande porte que precisariam de ajudantes para ser feitas”, afirma Vilain.
“Camille era uma artesã habilidosa e por isso ficou incumbida de fazer os pés e as mãos das estátuas. Além disso dava opiniões e discutia idéias sobre as obras com Rodin.” Não se sabe quando a convivência entre o mestre e a aluna se tornou um caso de amor, mas as cartas que trocavam em 1886 são reveladoras da paixão e do ciúme que Camille, desde o início, já sentia.
“Eles passam a freqüentar lugares públicos, tornando-se amantes assumidos. O que era um escândalo para a época”, Essa fase da vida de ambos é marcada por obras de intensa sensualidade. Por esculpir figuras nuas e ser amante assumida de Rodin, Camille passou então a ser rejeitada pela sociedade. Passando assim a ser vítima de um duplo preconceito, por ser mulher e também por ser escultora.
Com o tempo, Camille passou a se sentir sozinha. Vivia à espera de Rodin, que nem sempre aparecia. O relacionamento começou a deixá-la deprimida. Ela queria que Rodin se casasse com ela. Mas ele nunca chegou a deixar Rose. Jurava amor a Camille, mas dizia que não podia abandonar a mulher que havia estado ao seu lado nos momentos difíceis. Para a historiadora Monique Laurent, ex-diretora do Museu Rodin, em Paris, no entanto, isso não passava de uma desculpa. “Ele tinha medo de Camille. Sua inteligência e talento faziam dela uma artista que poderia suplantá-lo.”
Quando Rodin retorna em exclusivo e definitivo ao seu antigo amor, começa a tragédia de Camille, que se fecha em seu estúdio e se entrega a uma solidão obsessiva, caracterizada pela pobreza e pela ruína física e mental. Só sai às noites.
Em 1892, Camille decidi se afastar de Rodin.
Para recuperar o tempo perdido, se concentrou no trabalho para desvincular sua arte da do amante. É sua fase mais produtiva. Ela estuda a arte japonesa e dessa influência surgem algumas das suas mais belas obras, como As Bisbilhoteiras e A Onda. Apesar das críticas favoráveis, sua arte não era apreciada pelo grande público. “Em parte pelo preconceito por ser mulher. E, em parte, porque diziam que ela copiava Rodin”,
Sua vida está relacionada à de Rodin até 1898, quando romperam definitivamente. Depois que A Idade Madura, considerada sua obra mais autobiográfica, foi recusada pela Exposição Universal de 1900, Camille, com 36 anos, passou a achar que havia um complô de Rodin contra ela. Mas, apesar das suspeitas, ele continuava a intervir por ela, assegurando-lhe novas encomendas. Mas Camille foge de todos. Prefere viver sozinha, no silêncio e na escuridão
A partir de 1906, data da sua ultima escultura, Camille realiza em sua obra toda a dor do abandono, e num momento de cólera destrói grande parte de sua produção, numa espécie de exorcismo, como uma forma de livrar-se daquilo que ainda a vinculava ao homem amado. Os moldes de gesso ela joga no rio Sena ou os enterra, e proíbe que vejam o que faz. “A partir de então, suas angústias se tornam idéias fixas, até instalar-se a psicose”. Seu irmão estava longe, em missão diplomática na China. Seu pai estava velho, doente. Ela não tinha mais ninguém, nem dinheiro, nem saúde, nem inspiração. Restava-lhe o abandono e o medo. No dia 10 de março de 1913, uma semana após a morte do pai, a pedido da família, que arranjou uma certidão médica (ela foi diagnosticada como portadora de delírio paranóico), Camille foi levada à força para um hospício.
Rodin, por sua parte, envia-lhe algum dinheiro, expõe algumas das esculturas de Camille que sobreviveram à destruição, mas nada faz para liberá-la do hospital. De toda maneira, qualquer iniciativa sua seria dificultada pela mãe de Camille, que o considera culpado pela ruína e loucura de sua filha.
Camille Claudel morre em sua prisão psiquiátrica em 1943, com a idade de 78 anos. Esquecida do mundo, morre sem glória, sendo enterrada, anonimamente, em uma vala comum.





domingo, 18 de outubro de 2009

Desmundo

Escrito por Ana Miranda e adaptado para o cinema pelas mãos do cineasta Alain Fresnot. Ainda não tive oportunidade para Le o livro, mas o filme Desmundo é diferente de todos os filmes sobre Brasil colônia, onde a história é glorificada e embelezada. Fresnot procura mostrar o que provavelmente acontecia na época do Brasil Colonial. Percebi também uma preocupação em restituir, ou pelo menos se aproximar, aquela que teria sido a experiência de língua falada pelos habitantes daquela época, o português arcaico; incluindo falas em línguas indígenas e africanas. Para se entender alguma coisa do que é falado no filme, e necessário recorrer ao uso da legenda.

A narrativa fílmica inicia-se com um fragmento de uma carta de 1552, enviado pelo Padre Manuel da Nóbrega ao Rei D. João, solicitando órfãs do Reino para se casarem com os homens brancos da terra a fim de diminuir os “pecados da terra”, ou seja, uma tentativa de minimizar o número de filhos dos portugueses com as índias . Sob este tema se construiu a idéia do filme. O foco central do roteiro destaca o choque entre Oribela, órfã portuguesa de 16 anos, religiosa fervorosa educada em um convento e Francisco de Albuquerque, um degredado português que enriqueceu com as terras e escravos que adquiriu por aqui. Oribela, apavorada diante do mundo - “desmundo”, “não-mundo” ou fim de mundo - que não compreende e tenta, sempre que pode, fugir e voltar a Portugal. Com esse intuito se envolve com Ximeno Dias, mercador espanhol, cristão-novo. Oribela tentou fugir algumas vezes, e descobriu que o único lugar onde podia se esconder, neste mundo tão grande, era dentro dela mesmo. E que só podia contar com sua lucidez, e, às vezes, nem com isso.

O melhor de Desmundo são as imagens excepcionais dos índios sendo explorados, o tratamento escravocrata dado às mulheres, os mecanismos de escambo, o clima sombrio das primeiras vilas, a língua, a paisagem, as moradias, a alimentação, as referências à antropofagia entre os índios e o comportamento "carinhoso" de nossos catequizadores. Vale observar também as mulheres, tanto o seu conhecimento acerca do corpo e seus hábitos quanto à relação homem-mulher.

É necessário assistir, saboreando cada detalhe e diferentemente das histórias contadas por Hollywood, Desmundo tem um ritmo lento, que não glorifica nem embeleza a história, mas que remete o expectador a sintonizar-se e a problematizar uma série de questões que configuraram o início do processo civilizatório brasileiro, possibilitando, apesar da artificialidade cênica, uma reflexão para afastar um deslumbramento ingênuo que faz parte do imaginário contemporâneo à cerca deste período histórico.